“Explicações não são justificativas”
Chão Vermelho
- E aí sargento, o que temos aqui?
- Temos aqui um caso de assalto, Delegado. Esse jovem estava roubando
pessoas aqui na saída do metrô.
- O que acharam com ele?
- 3 Celulares, um canivete e 70 reais.
- Quantos anos você tem meu jovem?
- 17
- Menor de idade. Aprende o estoque dele, dá uns tapa e libera esse
moleque!
- Liberar senhor?
- Sim, ele não é um problema nosso, é problema do estado, que o estado
cuide dessas traças aí!
- Sim senhor.
- Sargento, fora dos olhares... fora dos olhares.
Os policiais me levaram para um beco e me bateram tanto, mas tanto que
fiquei estirado no chão semimorto. Uma coisa eles tinham razão, eu era mesmo um
problema criado pelo estado, mas eu não era o único. O problema acaba em mim,
só que o buraco é fundo e tem muita sujeira invisível. Como vim parar no centro
de São Paulo? Foi assim...
Tabaporã, Mato Grosso.
- Senhor Prefeito, estou te dizendo precisamos mostrar quem é que manda
para aqueles bossais.
- Não podemos agir agora, a mídia tá muito em cima.
- Que se dane a Mídia, eles não vão saber de nada.
- Vereador, vereador... toma cuidado, se você derruba aquela gente
agora, você crava de vez sua sentença de morte.
- E o que a gente faz então?
- Espera o momento certo, isso não vai durar muito e quando a poeira
abaixar, a gente caça o líder deles.
A região do Chão Vermelho era composta por muitas propriedades rurais,
terrenos imensos e produtivos. Cada dono de terra tinha seu lucro garantido no
final do mês, porém começou um impasse com os produtores agrônomos sobre as
taxas tributárias que eram cobradas a eles. Valores abusivos para a realidade
financeira da agricultura vivia, o que para alguns produtores decretaria
falência. Eles não deixaram barato isso e mobilizaram um movimento dos
produtores contra o prefeito da cidade, eles criaram a própria Lei do Mato, com
isso muita gente deixou de ganhar dinheiro de corrupção e entre eles o vereador
Francisco Abadias. Abadias liderava o caixa 2 da região e desviava verba que
era destinada para fins públicos, assim a prefeitura passou a descontar nas
taxas de arrecadações, mas quando os produtores descobriram essa pilantragem
travaram uma guerra contra Abadias e o prefeito Melquisedeque da Silva, e
quando eu falo guerra é guerra mesmo, no sentido literal. Muita gente ligada ao
prefeito e ao vereador foi cruelmente assassinado como prova da força da “Lei
do Mato”, famílias inteiras foram desfeitas e pessoas que não tinham nada a ver
foram vítimas injustas de uma matança que chamou atenção nacional. O governo
entrou em ação para negociar com os produtores da Lei do Mato, mas a negociação
era em vão. O que eles queriam mesmo era tornar a Lei do Mato como a lei
absoluta e aí foi a vez do exército entrar em ação pela primeira vez, a briga
ficou tão feia que a ONU chegou a decretar estado de calamidade no Mato Grosso.
E quanto mais a coisa se agravava, mais produtores se juntava ao movimento da
Lei do Mato, eles só queriam lutar pelos direitos que eram justos a eles, mas
com tamanha proporção que a coisa vinha tomando eles não arredaram pé, era um
boi para não entrar numa briga, mas foi uma boiada para não sair dela.
O vereador Francisco Abadias era afobado demais e decidiu por sua conta
juntar homens para combater o pessoal da “Lei do Mato”, ele até conseguiu
realizar essa façanha, mas foi morto meses mais tarde por um de seus homens, o
movimento que Abadias ergueu era formado por pistoleiros, em sã consciência é
claro que isso não daria certo, o resultado era um só, pistoleiros contra
produtores que eram contra o as leis do governo e o próprio governo que por sua
vez era contra os produtores e os pistoleiros. Esse triângulo do terror teve o
estopim quando a missionária Ruth Mansfield que ajudava as famílias que ficaram
no meio dessa guerra, foi brutalmente assassinada e decapitada. Aí amigo os EUA
e a igreja Católica vieram com força máxima para cima do Brasil e quem pode
ganhar o cabo de guerra quando seu oponente é simplesmente a Potencial Política
Mundial aliada ao berço Capitalista do Vaticano? Ninguém!
O Brasil foi obrigado a colocar forças nacionais para combater e prender
os “arruaceiros” dessa guerra do mato. Muitos produtores e pistoleiros foram
presos, alguns morreram e quem se ferrou mesmo foram as famílias que sem poder
fazer nada só assistia esse Terror no Mato Grosso, muitas delas ficaram
desamparadas, as minguas, elas não mereciam isso, não escolheram a guerra e o
estado deveria entender que as famílias eram só vítimas da burrice que seus
chefes de famílias criaram. Sim, eu sei que é delicado chamá-los de burros,
pois numa terra sem lei justa ou era isso ou era ver o governo tomar suas
coisas na mão grande e ficar de boca calada, como ninguém tem sangue de barata,
eles optaram pelo lado mais sangrento. O então prefeito Melquisedeque da Silva
tomou posse de todas as terras, como foram decretadas terras abandonadas, o
governo aprovou a posse, claro que isso geraria mais corrupção e o governo do
Mato Grosso arrecadaria uma fatia do esquema.
Enquanto aquelas famílias foram esquecidas pelo estado, o prefeito
Melquisedeque decretou um motim para cassar e matar o líder da “Lei do Mato”
que conseguiu sobreviver e fugir. É aí que eu entro na história, pois o líder
da “Lei do Mato” era ninguém menos, ninguém mais do que Geneton Lisboa Filho,
mais conhecido como meu pai. Meu pai perdeu a guerra, por causa dele muita
gente morreu, por causa dele perderam suas casas, suas dignidades, perderam seu
direito de ter direitos. Quando a guerra começou para valer, minha mãe com medo
nos largou sem dar notícias, tudo o que sobrou para o meu pai era eu, sei que
ele não era o exemplo que sonhei, mas ainda assim era meu pai. Ele zelou por
minha vida, comprou passagens para São Paulo e antes de eu partir ajoelhou-se e
disse:
- Filho, eu quero que você saiba que te amo muito. Tudo o que eu fiz foi
por achar que ainda existe justiça, mas o pai estava errado e eu agi errado. Me
perdoe por isso, me perdoe por tudo. Você vai pra São Paulo, serão dias
difíceis por lá, mas não se entregue, você vai vencer. Existe um pessoal que
todo mundo chama de “Estado”, cuidado com essa gente... Que Deus lhe abençoe!
Beijou minha testa e me colocou no ônibus e até hoje durmo pensando
nessas palavras. Não faço ideia do que tenha acontecido com meu pai, muito
menos com a minha mãe. Agora eu tinha que sobreviver de algum jeito, mas para
quem mora nas ruas de São Paulo amigo, oportunidades são piadas cuspidas na nossa
cara. Assim eu fui apresentado a vida que me sobrou – o pão que o diabo
amassou.
Me chamo Domenico Lisboa, mas toda a galera da rua com quem fiz amizade
me chama de Nico, Nico Lisboa. Nas ruas nunca se há momentos bons, mas com o
tempo se conseguir permanecer vivo você pega algumas manhas e eu tinha as
palavras de meu pai muito vivas na minha mente, foi então que descolei um
esquema que ganharia uma grana boa. Nesse período morava nas ruas da Sé, região
central de São Paulo, ali eu roubava as pessoas, roubava de tudo que imaginasse
e trocava lá no fluxo, o fluxo que a gente chama é mais conhecido como a
feirinha da cracolândia. Em troca eu pagava vários pinos (cocaína) e pedras
(Crack) mas não para mim, não, uma coisa que eu aprendi lá no Mato Grosso era que
mesmo na merda afronte o sistema, você pode rodar, mas só se for a força. Eu
revendia droga para universitários, acredite universiOTÁRIOS é um povo fácil
para você ganhar em cima, eu colava em pontos meio que estratégicos perto de
faculdades e universidades e abordava a turma oferecendo por um valor maior que
eu comprava, como os bichões jamais pisariam na cracolândia o jeito era comprar
na minha mão. Assim fui montando minha clientela, arrecadando uma grana,
contaminando muita gente e financiando o tráfico cada vez mais. O quê? Não me
culpe, culpe o Estado.
O esquema estava dando certo, vez por outra eu acabava sendo pego pelos
policiais com algum barato na mão, como era menor de idade eles sempre me
liberavam em seguida e eu voltava e fazia tudo de novo. Mas toda vez que os
policiais me abordavam era uma surra, a pior de todas elas foi a de hoje, eu
jurava para mim que aquele seria meu fim, eu chorava e chorava muito
acompanhado de muita dor e altos gritos, foi quando um anjo em forma de garota
me ajudou e cuidou de mim. Ela também era moradora de rua, mas se tornou meu
norte, minha fortaleza para continuar.
Fim do capítulo | Leia a parte 3
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