“Se vingar da vida é escolher a morte acovardado pela opressão”
Latrina
Você sempre achou que sua vida fosse valiosa, você sempre acreditou que
sua vida fosse um bem maior, sabe... você tinha razão. Pena que existem pessoas
que contrariam a natureza e este é o caso de Ademir Figueiredo, vereador de
Santa Tereza, bairro nobre da cidade do Rio Janeiro.
Ademir tinha tudo para ter uma história bela, casado com a arquiteta
Anizia Junqueira os dois vendiam exemplo de casal apaixonado e bem-sucedido.
Glória era referência nacional em arquitetura e urbanismo, uma mulher que
colecionava amigos por sua simpatia e humildade, felicidade que causava inveja
aos seus muitos fãs, mas o que ninguém sabia é que era tudo uma grande fachada.
Ademir era um sujeito crasso, vindo de uma criação de seu pai militar, ele
fazia questão de se manter conservador aos seus costumes, o que as pessoas viam
nos jornais, TVs e revistas entre as quatro paredes daquele belo casarão de
Santa Tereza a realidade era totalmente diferente. Ademir por vezes agredia
Anízia fisicamente.
Ele não aceitava que uma mulher tivesse tanto poder de destaque e todo
aquele assédio por questão da popularidade de Anísia o irritava. Glória não
ficava calada e por vezes denunciava Ademir, porém com um sistema de proteção a
vítima falho em nosso país e a amizade que Ademir tinha com muitos coronéis, as
denúncias dela não deram em nada. Cansada de viver aquela vida de cão casada
com Ademir, Glória estava prestes a tomar uma atitude radical, mas foi aí que
ficou grávida de gêmeas, então adiou esse plano para se dedicar e zelar de sua
maternidade. Um novo ciclo começou para Anísia Junqueira com a chegada das
gêmeas Monique e Melissa, todos se desmanchavam ao ver aquelas fofurinhas,
Ademir e Glória também estavam felizes. Suas filhas trouxeram um novo modo de
pensar e agir para Ademir, envolto por amor, ternura e cumplicidade com sua
amada esposa. Esse bem que poderia ser o desfecho, eu bem que queria contar
aqui para vocês que eles se acertaram e viveram felizes para sempre, mas não
foi assim.
Cinco anos se passaram e Ademir agora como pai estava mais preocupado do
nunca. Em fase de campanha para sua candidatura como prefeito da cidade do Rio
de Janeiro, uma das suas muitas preocupações era a deficiência na fala que
Monique apresentava. Elas já estavam grandes e nada de Monique formular uma palavra
entendível sequer, foi então que já previsto o que muitos estavam vendo, os
médicos confirmaram a deficiência na fala causada por uma complicação no
nascimento das gêmeas afetando somente Monique. Ademir ficou louco da vida ao
ter essa notícia, para ele ter um filho com deficiência era motivo de derrota e
derrota das grandes.
- Calma senhor Vereador, isso não é o fim do mundo.
- Calma?! Calma?! Eu tenho uma filha que vai ser uma encostada, uma
inútil para sociedade e você me fala para ter calma?
- Ela só perdeu o dom da fala, mas ela continua saudável.
- Ha ha ha! Como as pessoas gostam de se iludir né. Se ser deficiente é
algo saudável por que você não corta sua língua e fica mudo também? A realidade
é que ninguém quer um deficiente na família. Todo mundo fica levantando
bandeira em prol disso, em prol daquilo, em defesa disso, em defesa daquilo,
mas quando acontece com a pessoa ninguém tolera e por que eu vou tolerar?
- Como assim, o que o senhor quer dizer com isso?
- Escute bem o que faremos...
...Ademir não aceitava aquela situação referente sua filha Monique e foi
aí que ele bolou um plano para se livrar dela, isso mesmo, ele iria se desfazer
de sua filha deficiente afônica. Ele contratou uma suposta “babá” e somente os
dois com Monique fizeram uma viagem para São Paulo de carro, ele alegava que
tinha um amigo médico por lá que poderia ajudá-los, mas outra vez era só
mentira, tudo era forjado e o que Ademir fez eu prefiro não contar, vou
poupá-los de ler essa parte.
___
Manchetes
“Candidato a prefeito do Rio de Janeiro Ademir Figueiredo sofre acidente
grave! ”
“Filha de Ademir Figueiredo Morre em acidente de Carro”
“Ademir Figueiredo fica gravemente ferido, mas filha morre fatalmente!
”
Foi um baque para a família e comoção nacional a suposta morte de
Monique, Anizia Junqueira via seus dias em plena escuridão o que levou ao
estado de depressão profunda. Melissa agora adolescente sentia falta de sua
irmã e muitas vezes acompanhou calada as surras que sua mãe levava de Ademir.
Sobrecarregada de tanta infelicidade e cansada das brigas rotineiras de seus
pais, Melissa perdeu as estribeiras e se jogou no mundo das drogas, na mente
dela era uma forma à altura de retaliar a tirania de seu pai. Melissa Junqueira
completamente dominada por alucinógenos causava muitos escândalos pelo bairro
nobre de Santa Tereza, frequentadora de boates pelas noites do Rio de Janeiro
vivia saindo em matéria nos jornais cariocas pelas brigas e supostas denúncias
que envolvia seu pai. Isso custou muito para Ademir que foi investigado pelo
estado, ele perdeu o direito de se eleger pelos próximos 10 anos, quase foi
exonerado da política e para ele isso teria volta.
Ademir arquitetou contra Melissa também agido sutilmente pelas beiradas.
Certo dia Melissa foi sequestrada e dopada, quando acordou não sabia muito bem
aonde estava e foi agredida de maneira covarde por seis homens:
- Escuta aqui filhinha do papai, eu vou te falar só uma vez, então
escute bem. Se tu procurar o papai Ademir ou a mamãezinha, aliás se tu pisar em
Santa Tereza ou no Rio considere-se morta, entendeu? Morta!
Aqueles homens saíram deixando Melissa estirada no chão. Precisamente
ela foi largada no bairro de Santa Cecília, região central da cidade de São
Paulo. Sangrando muito Melissa estava prestes a morrer se não fosse pela
hospitalidade de dona Izabel. Ele viu o que aconteceu de longe e quando os
homens foram embora acudiu Melissa, quando dona Izabel olhou atentamente para
Melissa não acreditou no que seus olhos viram.
- Meu Deus do céu, isso não pode ser?
Levou Melissa para sua casa que ficava ali em frente e como era
enfermeira cuidou dos ferimentos causados pelas agressões.
- Calma, você vai ficar bem!
Melissa estava sobre os cuidados de alguém que se importava muito com
ela, muito mais do que ela imaginava, assim que foi criando mais forças,
Melissa e dona Izabel puderam conversar.
- Por que a senhora está me ajudando?
- Eu não poderia te deixar naquela situação
- Mas me trouxe para sua casa sem me conhecer, não sei nem o que dizer.
- Não precisa dizer nada, apenas descanse.
- Só mais uma coisa, em alguns momentos que eu estava muito frágil
percebi que a senhora me olhava com ternura, por quê?
- Por nada, apenas cuidado torcendo para você melhorar.
- A senhora tem filhos?
- Não, quer dizer eu criava uma menina como se fosse minha filha, criei
muito apego, mesmo com pouco tempo.
- Eu sinto muito...
- Não precisa sentir, ela não morreu!
- Então, o que houve?
- Não sei. Um dia saí para trabalhar, ela ficou aqui, nesse dia não tinha
aula. Aí quando eu cheguei não vi as coisas dela, simplesmente foi embora.
- E nunca mais teve notícias dela?
- Não, nunca mais!
- A senhora nunca desconfiou de nada em alguma conversa que teve com
ela?
- Como é que eu vou desconfiar, ela é muda!
- Muda? E quanto anos ela tem?
- Não sei, acho que beirando a sua idade.
- E como ela é?
- É melhor deixarmos para conversar em outra hora.
- Não, por favor você tem foto dela aí?
- É melhor você descansar.
- Por favor eu te peço, me mostra?
Melissa então caiu em surpresa, aquela garota era justamente a irmã
dela, Monique!
- Meu Deus!!! É a minha irmã, ela está viva, viva!! – Melissa chorava ao
mesmo tempo que parecia não acreditar.
- Eu não deveria ter te mostrado.
- Não, eu estou bem. Nós precisamos achar a Monique, a senhora não tem
nenhuma pista, algo que nos leve ao paradeiro dela?
- Não.
- Vamos imprimir essa foto, colar por aí, espalhar para as pessoas.
- Não!
- Como?
- Eu não vou fazer isso!
- Por que não?
- Você não entende, por algum motivo eu fui escolhida pelo seu pai. Eu
tinha uma vida normal, uma vida tranquila e de repente tudo foi por água abaixo
quando seu pai me conheceu. Ele me tornou uma espécie de laranja, eu estou na
mira de Ademir Figueiredo e acho que você também está!
Melissa não esboçou nenhuma reação, mas sacou que corria risco de vida e
expor essa busca por sua irmã Monique traria sérias consequências para ela e
para dona Izabel. Ademir conseguiu tornar a vida de Melissa num cárcere público
e a única saída agora é tentar levar a vida o mais simples possível. A questão
é: até quando elas aguentariam, até quando Melissa aguentaria viver imersa
nessa latrina?
Fim do capítulo | Leia a parte 4
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