Rogai Por Nós - Parte 1








Queridas e queridos leitores



Chega um momento em nossa vida que passamos a adorar a violência, chega um momento que idolatramos com toda a força esse impulso maligno.

Você não?

Nossa, que bom! 

Achamos a pessoa certa para nos ajudar a desconstruir a violência instaurada em nós.


















“O desequilíbrio é oriundo de uma reação em cadeia”
                                                                                         



















Revolução ou Fé?






Em tempos de incertezas, misérias e fome dona Glória fez de tudo para mudar seu destino. Ela vinda de uma criação religiosa tinha o sonho de se tornar freira, sonho este que era alimentado por seus pais, só que no meio do caminho conheceu José Catimbó, com quem manteve um romance secreto, secreto até Glória ficar grávida dele. A Família quase teve um surto de desgosto, ela foi expulsa de casa e foi morar com José, os dois mesmo com muitos problemas cuidaram com amor e anelo da pequena Keila. Os anos passaram e Glória vivendo a sombra da desaprovação de sua família continuou na igreja, ela se tornou uma espécie de fanática além dos parâmetros quando viu sua vida esbarrar no poderoso Arlindo Forçosa e é aqui que a vida à amaldiçoaria. 

Macaíba, cidade metropolitana do Rio Grande do Norte, localizada a 14 km da capital Natal, tinha como prefeito Arlindo Forçosa, um sujeito que enganava e roubava a pacata população de Macaíba na cara dura. Glória conhecida por quase toda cidade era vista como um exemplo de fé, caráter e altruísmo, visitava vários cultos, pregava em praças públicas e organizava grupos de orações, muitos destes concentrava na sua própria casa, lá nos fundos num quintal de terra batida. Ela fazia a cabeça de todo mundo para participar dos eventos e conseguia quase 100% da presença favorável de todos, sim quase 100%, havia uma que detestava participar de cultos, grupos de orações ou o que quer que seja, a filha mais nova de Glória – Kesia. Pré-adolescente de gene forte, Kesia era uma garota muito determinada nas suas decisões, só que Glória não aceitava esse afronte e sempre bem antes dos preparativos para as orações Kesia levava uma surra de deixar vergões. Só assim pra Kesia participar, mas claro que o clima não era dos melhores para ela.

Glória era religiosamente correta para com os de fora. A população de Macaíba chegou ao ponto de tentar um abaixo assinado para que ela fosse considerada Santa em vida. O povo ficava deslumbrado com o poder da palavra que Glória tinha, soava como mel nos ouvidos deles. Eles decididos em seguir com essa ideia que digamos é no mínimo insana procuraram o prefeito para os ajudarem. Arlindo impressionado com a mobilização que foi gerado por causa de Glória viu nisso uma oportunidade de recuperar sua aceitação com a população.

- Senhor prefeito, mandou me chamar?

- Sim dona Glória, por favor sente-se.

- Com sua licença.

- A senhora com certeza está a par da mobilização que o povo está fazendo para torná-la Santa!

- Sim, meus irmãos são uma benção de Deus, não os julgo por este ato, mas sou pequenina demais e fraca para receber esta atenção.

- Com todo respeito dona Glória, sou um homem de Fé criado nas leis católicas, mas isso que o povo quer é um tanto que absurdo, a senhora não acha?

- Concordo com o senhor. Como eu disse não os julgo por este ato.

- Acho justo de vossa parte, mas eu não chamei a senhora aqui para isso.

- Não?

-Não.

- Então qual o motivo?

- Eu quero fazer um convite a senhora.

- Que tipo de convite?

- Eu tenho muito interesse que a senhora faça parte do meu gabinete. Trabalhe aqui comigo!

- Eu, trabalhar com o senhor?

- Em troca construo uma capela, aquela tão sonhada capela que a senhora tanto almeja e o melhor deixarei a administração da capela em suas mãos.

- Fico muito honrada com o convite, mas não posso aceitar isso. Seria uma ofensa pra Deus se eu trabalhasse com o senhor, passar bem.

- Dona Glória...

- Eu espero que o senhor solte agora mesmo meu braço!

- Desculpa,

- É melhor que o senhor se desculpe com Deus, por todos os seus pecados que todos sabemos que não são poucos... ah, se segurar meu braço novamente, a força do meu Deus cairá sobre vossa cabeça.

O prefeito era sujo e faria de tudo para ter dona Glória do seu lado, ele tentou pelos meios tradicionais, agora iria jogar pesado. Mandou que capangas pela noitinha ateassem fogo na única capela que a cidade mantinha além de atentados com explosivos nos pontos onde Glória mais frequentava para dar suas palavras. Na manhã seguinte os resultados causados pelo próprio prefeito levaram muitos fiéis as lágrimas, eles não teriam dinheiro o suficiente para reerguer a capela da cidade que a muito custo construíram. Ainda estava escuro, mas sem saber o que havia acontecido o povo se reuniu em massa e com velas fizeram uma grande vigília em frente à casa de Glória.

- Mãe? Mãe?

- O que foi Kesinha?

- Vem aqui, rápido.

- Meu Deus amado não se pode dormir em paz? O que foi menina?

- Olha lá fora!

- Minha nossa senhora, o que esse povo tá fazendo aqui?
Glória se vestiu e foi lá fora. Ouvindo o povo sobre o que havia acontecido se entregou ao choro, o desespero foi tão forte que ela desmaiou. Levaram ela para dentro de sua casa e a reanimaram, passado o desmaio Glória se recompôs.

- E agora Santa, o que faremos? Perguntou um dos fiéis.

- Primeiramente meu irmão, não me chame de santa. Eu sei o que fazer, eu sei exatamente o que fazer.

Certas coisas vêm para somar, se tornam aprendizados e lições, mas existem coisas amigo, que só levam as pessoas para o lado mais negro da alma. Dona Glória entendeu a resposta de Arlindo Forçosa e tendo piedade do povo ela só podia fazer uma coisa.

Entrando com muita raiva no gabinete da prefeitura, empurrando portas e se esquivando da segurança Glória chegou na sala de Arlindo:

- Quando eu começo?

- O que é isso aí, perdeu os bons modos?

- Vai, me diga quando eu começo?

- Bom dia para senhora também.

- Eu esperava tudo do senhor, mas isso foi deplorável!

- Que fique claro que eu não queria fazer nada, mas a senhora me obrigou.

- Me diga o que eu tenho que fazer e eu farei.

- Agora sim estamos falando a mesma língua, viu como não era tão difícil. Não entendo vocês crentes, sempre complicando.

Glória passou ser assessora do prefeito, a princípio trabalhou secretamente conforme o combinado, sempre falando bem de Arlindo para os fiéis e o povo começou a vê-lo com bons olhos, pois ele fez sua parte, mandou construir uma capela matriz linda, confortável, muito melhor do que a antiga e com maior capacidade. A população sem saber dos bastidores, estavam crentes que aquilo era o grande milagre realizado pela beata santa de Macaíba, dona Glória. Sem ter dinheiro o suficiente e com um prefeito totalmente descrente, para eles esse acontecimento era impossível. Dona Glória não mencionou, nem desfez esse pensamento falso, ela não fazia ideia, mas já estava se tornando igual Arlindo, o problema é que a esperta kesia observava tudo isso.
Pouco a pouco dona Glória como preferia ser chamada foi misturando a militância política com a sua Fé. A moral de Arlindo foi lá em cima com o povo de Macaíba, cada dia mais Glória e Arlindo fortaleciam a aliança, mas Kesia ainda achava tudo isso muito estranho:

- Benção pai!

- Deus te abençoe filha.

- Cadê Mainha?

- Sua mãe foi fazer uma passeata com o prefeito no centro. Esse prefeito é uma benção de Deus, oh eu vou trabalhar numa obra no final da rua, nada de sair de casa tá.

- Tá bom Painho.

- Keila? Keila?

- Fala!

- Preciso da sua ajuda!

- Minha ajuda para quê?

- Eu preciso ir lá no centro.

- Está doida, você ouviu Painho dizer que não era pra sair de casa?

- Eu preciso ver Mainha, tenho um recado da professora urgente pra ela.

- Espera ela chegar então oras.

- Sua burra, se é urgente tem que ser agora. Vai Keila, me ajuda só dessa vez por favor?

- Tá bom, mas você vai ter que lavar a louça no meu lugar durante uma semana.

- Beleza.

As duas sorrateiramente saíram de casa em direção a prefeitura, chegando no gabinete elas foram informadas que não haveria nenhuma passeata pra hoje, dona Glória havia mentindo para José, mas por que uma mulher tão correta de fé e caráter faria isso? Com muita astucia Kesia não se contentou com a respostas da recepção da prefeitura e foi pelos fundos para tentar invadir o gabinete.

- Você ficou doida Kesia, invadir o lugar onde Mainha trabalha, vai dar problema pra ela!

- Só me ajuda e cala a boca!

Elas entraram por uma aresta que dava numa salinha de almoxarifado, quando discretamente foram adentrando o local ouviram um barulho anormal e seguindo o som chegaram em uma outra sala bisbilhotaram pela porta e viram a imagem que jamais sonhavam ver. Dona Glória e o prefeito Arlindo Forçosa tendo relações sexuais. Kesia naquele momento começou a ligar os pontos de muitos outros momentos que possivelmente eram mentiras de sua mãe, eles estavam tendo um caso e ela já desconfia disso. O mundo caiu e caiu lentamente para as duas, tudo que aprenderam até aqui, tudo que foram ensinadas por dona Glória, nesse exato momento começaram a não valer nada. Dizem que quando uma pessoa está prestes a morrer passa um filme em câmera lenta em sua mente, para Kesia aquele parecia o fim. Kesia mesmo inconformada com a situação se ateve em não chamar atenção, mas sua irmã mais velha não teve a mesma sagacidade.

- Mainhaaaaaaaaa!

- Filhas! Meu deus!

- Como essas meninas entraram aqui?

As duas saíram correndo como se não houvesse o amanhã e a cada passada eram três, quatro lagrimas que caiam. A Noite quando as duas jantavam com o seu pai dona Glória chegou calada só deu um fraco boa noite e foi para o quarto.

- Meninas fiquem aqui eu vou ver o que aconteceu com sua mãe
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- Meu bem o que houve, você entrou toda séria?

- Zé, sem muitas perguntas por favor!

- Por quê está fazendo as malas, aonde você vai.

- Pra um lugar bem longe daqui!

- Como assim Glória, você esqueceu que tem filhas pra criar?

- Não Zé, eu não esqueci delas, aliás eu não esqueci de ninguém nos últimos anos, a única pessoa que eu esqueci foi eu mesma!

Glória estava de malas prontas e antes de sair reuniu José e as meninas para dar a punhalada final. Glória estava esperando um filho de Arlindo Forçosa, ela sabia que isso seria um choque para a população de Macaíba e a melhor decisão era ela sair antes que todos soubessem. Arlindo sabia da força que Glória tinha com seu eleitorado e um caso de adultério seria imperdoável, foi então que ele aceitou o convite do governador do estado para ser seu subsecretário, com isso ele poderia viver com Glória na cidade de Natal. Com a saída de casa de dona Glória, Zé e as meninas não tiveram mais as regalias de antes e a miséria que um dia os consumia voltou com mais força agora. Para Kesia isso era o de menos, o que marcaria sua vida mesmo era a imagem de sua mãe os deixando indo fazer uma nova vida, uma nova família longe, bem longe daquela cidade chamada Macaíba. 



















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