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(R)existir
por Dia Nobre
Queria deixar de existir. Existir é heavy e eu estou cansada de andar nessa slackline. É difícil ter equilíbrio na corda bamba da vida e eu tenho problemas no labirinto. Viver em desequilíbrio não é viver. É sobreviver. E haja sertralina para manter a linha. A real é que eu tô triste. Deixa star.
Talvez a causa esteja fora, no desastre desse desgoverno, na goiaba estragada que a ministra comeu, na dor do deputado exilado, no luto do preso político. Pode também ser o fim de ciclo, o inferno astral, o desequilíbrio químico no cérebro, a incapacidade de olhar, a disritmia no beat do coração. Pode ser um monte de coisas ou tudo junto. De fora ou de dentro, às vezes, nem o amor me salva. Nem o amor me liberta de mim e de quem eu sou, lá no fundo dessa border-line.
Aí eu «insisto na maldade de escrever». Minha garganta dói, me sinto tensa. Queria algo que fosse de fácil digestão. Algo que seja semente. Tento me concentrar nos livros e nas letras. Na minha frente, uma tela em branco e penso que tudo é culpa da intensidade-transparência-clareza que trago em mim. Carrego a cruz de César, Platt, Woolf, Lispector, Castanheiro. A cruz de ser uma mulher que sofre e pensa e fala e publica. Tristeza não cai bem no mundo contemporâneo but broken isn’t bad e angústia é fala entupida que inflama a garganta e meus nervos. O intenso não devia ser tenso. O amor não devia ser difícil. Para se viver tem que ter habilidade e eu não tenho.
Sem respiro, abro a janela e grito: estou cansada de existir mas pago o preço.
Obra original de Dia Nobre
*
Todos os Desejos Não Realizados
samba-canção recitada
num beco
‘taí eu fiz tudo
pra você gostar’
de cima da torre
mais alta
da cidade soteropolitana
eu me atiro
(aos teus pés)
me dispo
me jogo
me afogo
em cervejas e cigarro
debaixo da chuva
no meio da rua
num ônibus lotado
teu veneno refletido
no espelho quebrado
é uma rima
pra você que não
entende poesia
e eu que nem sou poeta
te contei todos os meus segredos
em quatro horas
de gozo eterno
como se fosse um
roteiro do Manara
ao anoitecer
nesta faith city
que poderia ser
salvador ou crato
linhas de uma mão fina
que não revela futuro
ou passado
só o presente
que passa ligeiro
como um fio de cabelo
entre os dedos.
- dos desejos não realizados
Obra original de Dia Nobre
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